on quinta-feira, 11 de março de 2010 | 0 cousas


Uma coisa especial ocorre com a mulher depois que ama. Reparem, estou dizendo depois que ama. Não estou me referindo a ela enquanto está no ato do amor. Disto se pode falar também, e a Literatura, a partir do Romantismo, e depois o Cinema, modernamente, já tentaram de várias formas simular na relação amorosa como a mulher suspira, se contorce, desliza as mãos, entreabre a boca do corpo e da alma.


Mas, quando digo “depois que ama”, refiro-me ao estado de graça que a envolve após o gozo (ou gozos) e que perdura horas e horas e, às vezes, dias. Fica macia que nem gata aos pés do dono. Mais que gata, uma pantera doce e íntima. Sua alma fica lisinha, sem qualquer ruga. A vida não transcorre mais a contrapelo, desliza. Ela tem vontade de conversar com as flores, com os pássaros, com o vento. Sobretudo, descobre outro ritmo em sua carne. É tempo do adágio, de calma e fruição. Nesse período, aliás, o tempo pára. Em estado de graça, ela se desinteressa do calendário. O cotidiano já não a prime. As tarefas da casa, pesadas em outras ocasiões, tornam-se leves, os compromissos mais enjoados podem ser acertados, as tragédias dos jornais já não lhe dizem tanto respeito. Tudo o que ela faz, faz cantando.


O homem, animal desatento, às vezes não se dá conta. Ou dá-se conta nos primeiros minutos que sucedem o ato de amor e depois se deixa levar pela trivialidade, deixando-a solitária em sua felicidade clandestina. Na verdade, a mulher sobrepaira ao tempo, está adejando em torno do amado, que deveria suspender tudo para sentir desenhar-se em torno de si esse balé de ternuras. Deveria o homem avisar ao escritório: “Hoje não posso ir, estou assistindo à reverberação do amor naquela que amo”. E como isto se assemelha à floração rara de certas plantas, os amados deveriam interromper tudo, seus negócios e almoços, e ficarem ali, prostrados, diante da que celebra nela o que ele ajudou a deslanchar.


Há uma coisa grave na mulher que foi ao clímax de si mesma. Que não esteja distraído o parceiro ou parceira. Ela tem mesmo um perfume diverso das demais, é um cio diferente. É quando a mulher descerra em si o que de visceralmente fêmea que, mais que possuída, possui algo que atingiu raramente. As outras mulheres percebem isso a e a invejam. Os machos farejam e se perturbam. É como se estivessem num patamar seguro a se contemplar.


Estou falando de uma coisa que os homens não experimentam assim. O gozo masculino é mais pontual e parece se exaurir pouco depois do próprio ato. Só os escolhidos, vez por outra, o sentem prolongar-se dentro de si. Mas, em geral, é diferente. Terminado o ato, muitos até rolam para o lado e dormem como se tivessem tirado um fardo do ombro, outros acendem o cigarro, vestem suas ansiedades e voltam à labuta.

É constatável, no entanto, que o homem apaixonado também transmite força, alegria, energia. Ele oscila entre “Alexandre, o Grande” e o artista que chegou ao sucesso. Também brilha, mas é diferente. E não é disso que estou falando, senão do gozo feminino, que não se esgota no próprio gozo e se derrama em gestos e atenções por horas e dias a fio.


Freud andou várias vezes errando sobre as mulheres e, por exemplo, colocou, equivocadamente, aquela questão de que a mulher teria inveja do homem por este ser um animal fálico etc. Convenhamos: inveja têm (e deveriam ter) os homens, quando prestam atenção ao fenômeno que ocorre com as mulheres, que, ao serem amadas, atingem o luminoso êxtase de si mesmas, como se tivessem rompido uma escala de medição trivial para lá da barreira dos gemidos e amorosos alaridos.


É isto. Quando a mulher é amada, e bem amada, ela ingressa nessa atmosfera sagrada, cuja descrição se aproxima daquilo que as santas estáticas descreveram. Uma aura de mistério as envolve. E isto, por não ser muito trivial, por não ser nada profano, talvez se assemelhe aos mistérios gozosos de que muitos místicos falaram.



(Affonso Romano de sant'Anna)